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Texto sobre o texto sobre a exposição Noves fora, nada.

«"Todo o discurso interpretativo pretende ir além das aparências; é esta a sua ilusão e fraude." - Jean Baudrillard» - Texto sobre a exposição Noves fora, nada.

Este texto começa com a citação do início do texto sobre o qual recai a sua análise, e que, também ele, começa com uma citação. Não estranhamos que o autor do texto sobre a exposição tenha escolhido esta forma de o iniciar, já que fazê-lo convoca para o seu a autoridade do texto citado, o que é especialmente proveitoso no caso de se tratar de uma autoridade consagrada.

Contrariemos porém, a citação citada, procurando interpretar o seu significado no texto, e concluiremos que, ao se iniciar com ela, o texto sobre a exposição revela desde logo a sua pretensão a escusar-se à interpretação do significado da exposição e das obras que a compõem, conclusão que se confirma quando, mais à frente, o autor escreve que «no jogo de transferências que resulta da relação entre camadas de representação do real, de que as presentes obras participam, o texto que sobre elas se debruce não deve colocar-se como árbitro, mas também ele como jogador (...) deverei então ater-me à mera aparência, à superfície? E não será o usar-me da expressão "mera", prova já da contaminação do meu pensamento por um preconceito? Não residirá no campo da aparência tudo o que há a dizer? "Tudo o que há a dizer", tanto no sentido de (im)possibilidade como de necessidade, ou seja, "tudo o que há a dizer", porque nada mais posso dizer sobre a obra e, "tudo o que há a dizer", porque nada mais preciso dizer sobre a obra».

Perguntamo-nos então, tal como o autor, no que poderá consistir o texto sobre a exposição que, correspondendo ao apelo da citação inicial, «[se] recuse a ir além das aparências?». Estará limitado à «descrição das obras ou dos processos que as criaram: tela, tinta sobre tela, remoção da tinta com uma lixa, (...) a tela pendurada numa sala, pessoas a olhar para a tela pendurada na sala (...)»?

Se também nós recearmos o preconceito da «-mera- aparência», talvez cheguemos também à ideia de que «muito existe já na "mera" descrição desse encadeamento de processos e justaposição/ transferência/ recriação de planos de representação, — o artista, a obra, a exposição, o público, o texto, ... - sempre equidistantes entre si e entre a realidade que cada um representa, o que quer que isso - "isso" a realidade, "isso" a distância, isso o "isso"- seja».

Antes, no entanto, de verificarmos as suas consequências, talvez devêssemos questionar a razão desta recusa da interpretação. Deve-se a uma convicção do autor a respeito de ser esta a melhor, - ou pelo menos a única, caso em que será necessariamente a melhor, - forma de proceder, ou à tentativa de, com uma justificação intelectual que a generalize, mascarar a sua incapacidade pessoal para elaborar uma crítica académica que penetre mais fundo na essência da obra?

O autor não é insensível a este problema mas, rapidamente conclui que, ao tentar dar-lhe resposta, cai, da interpretação da obra, a que queria fugir, na interpretação do texto, que ele próprio escreve: «(...) não há maneira mais segura de estragar uma piada que explicá-la, a menos claro, que a piada esteja na explicação (...) este texto não quis ser como o proverbial dedo que aponta a Lua, atraindo as atenções para si (...) [mas] colocou-se como um grotesco dedo que se contorce apontando para si próprio - sendo que referir isto mesmo, talvez seja como introduzir um segundo dedo que aponta para o primeiro e cuja mão segura um aviso onde se lê "não olhar para o dedo!"».

Olhemos então para longe do dedo, para a obra, e, se os trabalhos aqui expostos forem também eles dedos que apontam, olhemos na direção desse apontar.

Mas e se, aquilo a que se aponta, só existir por ser apontado? E se, quando olhamos para lá, vemos outro dedo que aponta para nós, ou de volta para a obra?

Talvez o «jogo de transferências entre camadas de representação do real» seja este emaranhado de dedos que apontam e, talvez o real não esteja na ponta de nenhum deles, mas seja a soma total dos olhares que os seguem, ou além disso ainda, a prova dos nove dessa soma.

E, noves fora, nada. Olhemos então, apenas, é «tudo o que há a fazer», o possível e o bastante.

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[Texto escrito por Tiago Belo a convite de João Pedro Trindade.]