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O encontro inesperado do semelhante
Filipa Araújo

O encontro deu-se neste espaço d'O Sol, epicentro da criação artística e humana do Max Fernandes, há algum tempo, num dia de chuva intensa com rios grossos e campos alagados. O cheiro adocicado do vinho quente misturava-se com o ar húmido da tarde, a chuva fustigava as vidraças e compunha uma toada tonitruante no telhado.
As fotografias da Cristina Regadas estavam espalhadas pelo espaço e pareciam flores que brotavam do chão, num excesso de felicidade, empurradas pelo vento, como gargalhadas.
À paisagem árida americana sobrepunha-se o arrogante verde minhoto e, então, aconteceu aquilo que me pareceu ser o "encontro inesperado do" semelhante.
Meses mais tarde, reencontramo-nos num outro dia frio e chuvoso, no início de um novo ciclo terrestre, nas margens do rio Douro, numa viagem até às margens de um outro rio, o Mondego, às inquietantes pinturas do José Pereira que nos envolviam num círculo mágico, a um pic-nic de pé abrigados pelas densas ramagens de árvores ancestrais, num jardim inominado, onde passeava um cão apressado que lembrava o Coelho da Alice.
O terceiro encontro ocorreu no início de um novo ciclo marcado por um eclipse lunar penumbral, que marcou a visita da Lauren Moya Ford a Guimarães e à sua exposição Faces da Lua, n'O Sol aceita a pele para ficar e onde acrescentamos um ramo à nossa linhagem.
Esses foram dias intensos, impregnados de sombra e luz o que nos permitiu "atravessar as formas mais densas do translúcido - o quase opaco" e culminaram com as exposições Cão-rio (saco de arroz cozido no chão) de Max Fernandes, no espaço Uma Certa Falta de Coerência e as Faces da Lua, na nossa casa - n'O Sol e nos deixaram "sem o medo do fim que vem depois, e nos deixa sozinhos com a chama da vela na paisagem".
A partir deste momento, quando se percorre o caminho criado pelas jarras e cestos de flores, que nos impelem à genuflexão para sentir o seu perfume, pelas velas que perfazem a altura da Lauren e pelos seus desenhos e pinturas, que nos obrigam a olhar para o alto, poder-se-á sentir um viajante, um peregrino que percorre um caminho labiríntico, numa viagem onde o fulgor é dado pelas histórias que contam a ligação do humano ao animal - as pegadas da nossa cadela e do nosso gato acrescentam as suas impressões vividas -, ao vegetal, com a decadência das flores, que secam e soçobram sem perderem as folhas, quase incorruptas como se mantivessem a "carne e a pele" como se de um milagre se tratasse.
Tal como durante um período de lunação, os trabalhos da Lauren revelam com o tempo novas sombras ou vislumbres de luz.

O sol aceita a pele para ficar,
8 de Outubro de 2016.

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