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“A natureza que fala à câmara é diferente da que fala aos olhos.”
Walter Benjamin

“The photograph appropriates the object.”
Susan Sontag

Tal como no verso de João Almeida onde “o sol aceita a pele para ficar”, as fotografias e os objectos do Miguel aceitam O Sol para ficar.
Sentada nas escadas, procuro nestas fotografias a “ínfima centelha do acaso” onde o minuto há muito decorrido se aninha ainda hoje.
Percorro estereoscopicamente a galeria d’O Sol e apercebo-me que tenho novas “janelas” no tecido do tempo, que indiscretamente se abrem para o inconsciente, para a “aura da Realidade” benjaminiana, uma trama de espaço e tempo: a escala aumentada das imagens aumenta o espaço d’O Sol e condensa o tempo , que se conjuga aqui numa supersimetria temporal, onde tudo se manifesta agora. Aqui o presente é perpétuo, pese embora que estas impressões expandidas feitas num material manifestamente barato, permitem-me apreender mais facilmente um sentido inesperado do intocado, da memória do Miguel que se fundiu com as paredes d ’O Sol.
Haverá aqui uma apropriação do tempo vivido ou uma expropriação da sintaxe temporal na narrativa do olhar?
Os meus olhos pousam novamente naquele renque de “janelas” que se abrem para novas paisagens e sugerem-me pautas de música, que afloram como memórias auditivas: o grito do corvo que sobrevoa os áceres, o pio do mocho nas noites de estio, o ramalhar das árvores ou o estertor estridente da grua que rasga o jardim. Os objectos pousados no chão, convocadores de memória que nos obrigam, “pessoas de fé”, a genuflectir e reflectir para os apreender, fluem com a suavidade da água, movem-se num tempo onde não competem, agem sem acção, e num continuum ultrapassam a rigidez do espaço.
Surge-me, então, que aquilo que o Miguel Oliveira nos oferece é uma tempropriação d’O Sol, dos seus afectos e, em última análise, até de nós mesmos.
Ao percorrer novamente o espaço, sinto que as fotografias e os objectos aqui colocados, qual células por osmose, absorvem O Sol e a Pele (talvez até a nossa), são organismos vivos que alimentam e se alimentam do espaço.

Filipa Araújo
O sol aceita a pele para ficar,
19 de Maio de 2017

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